Nós, seres humanos, somos dicotômicos, bifurcados. Ao contrário do que a maioria dos filmes tentam mostrar, não podemos ser apenas mocinhos ou vilões. E “Luce”, filme de 2019, dirigido por Julius Onah e escrito por ele em parceria com J.C. Lee quer retratar isso. Mas é um jogo perigoso esse de brincar com estereótipos em uma realidade tão cheia de preconceitos enraizados e racismo estrutural. Onah e Lee andam no fio da navalha, por vezes cometem deslizes, mas são segurados pelas estremecedoras atuações de Octavia Spencer e Kelvin Harrison Jr.
Luce (Harrison Jr) é um adolescente brilhante de ensino médio, mas seu passado tem uma bagagem. Ele nasceu na Eritreia e cresceu como criança-soldado até ser adotado pelo casal branco Amy e Peter Edgar. Ao longo de décadas fez terapias para que pudesse superar seu passado traumático e se tornar um aluno modelo, atleta talentoso e orador excepcional. Exibido pela escola como uma bandeira, Luce não demonstra, mas se contorce para caber dentro das expectativas dos pais, da escola e do país em que vive. Como um jovem negro e imigrante, ele precisa se esforçar em dobro para conseguir o que seus colegas parecem naturalmente alcançar.
Após escrever uma redação usando a voz de Frantz Fanon em primeira pessoa para justificar a violência como fundamental para o processo de descolonização, passa a ser visto sob o olhar desconfiado da professora de história Harriet (Spencer). Ela consegue autorização para vasculhar o armário de Luce e encontra um arsenal de fogos de artifício, o que para ela comprova que o aluno planejava algum tipo de ataque à escola. Fora isso, Luce também está envolvido em um caso de agressão sexual.
Os pais, Amy e Peter, à princípio acreditam que o filho é alvo de uma perseguição por parte da professora e se negam a acreditar que seu filho exemplar seja uma má pessoa. Conforme a história se desenrola, eles passam a se questionar se adotar alguém com tanta bagagem foi mesmo uma boa ideia e se o passado de violência de Luce tem corroído seu espírito como uma sombra à espreita.
Ao mesmo tempo em que nos convida a tecer um comentário social sobre privilégio branco, estereótipos raciais e como as origens moldam as percepções de mundo e de realidade, “Luce” pisa em um campo minado, porque alguns diálogos acabam por reforçar exatamente essas mesmas opiniões generalizadas que critica. Se a intenção é ser perspicaz e provocativo, é igualmente perigoso. É um filme difícil de digerir e que te deixa semanas refletindo sobre seus questionamentos. Certamente, a produção nos deixa perplexos com as brilhantes e intensas atuações de Octavia Spencer e Kelvin Harrison Jr.
Filme: Luce
Ano: 2019
Direção: Julius Onah
Gênero: Thriller/Suspense
Nota: 7/10